Tarde demais

O encontro entre o cansaço e o atraso

Cheguei tarde demais. Já passava da metade da festa. Era uma dessas em que só se toca música para dançar com a cabeça encostada no ombro de alguém. Você, por exemplo, naquela noite, já tinha encostado sua cabeça em pelo menos três ou quatro ombros. Então, cansou e sentou num banco qualquer para recuperar o fôlego.

Eu, recém-chegado, ainda resplandecia minha plena disposição. Tomei alguma coragem, caminhei até você e te chamei para aquela dança. Desde os primeiros passos, me impressionei com a nossa sincronia. Parecia até que havíamos cuidadosamente ensaiado cada um daqueles movimentos. Os que estavam ao nosso redor nos olhavam, admirados com a fluidez daquele par que formávamos.

Veio a segunda, a terceira, a quarta, a quinta dança… Já nem acreditava — àquela altura, ainda não havíamos pisado nos pés um do outro. Não existia sequer um sinal de cansaço emitido por algum de nós dois, nem mesmo uma respiração mais ofegante. Nossos passos ainda seguiam no mesmo ritmo da primeira dança.

Foi, então, que no meio de um giro, você sentiu uma forte pontada na perna. Pela sua expressão, eu podia imaginar a intensidade daquela dor. Sentamos num canto para esperar o desconforto passar. Tirei seus sapatos e me assustei com a quantidade de calos naquele pé. Enquanto eu massageava sua perna, vi lágrimas correrem em teu rosto. Ali, senti a culpa por não ter interrompido todas aquelas danças a tempo de evitar seu desgaste físico.

Apressado, fui buscar gelo no bar. Quando voltei, você havia sumido. Olhei em volta e não te vi. Não vi naquela noite, assim como não vi nunca mais na vida. Nunca soube seu nome nem seu telefone. O único vestígio daquela companhia foi um pedaço de guardanapo, com a seguinte mensagem: “me perdoe pelo meu cansaço”.

Eu poderia ter levado aquele papel para casa e guardado na minha caixa de lembranças. No entanto, preferi pedir uma caneta ao garçom e responder ao seu recado. No mesmo pedaço de guardanapo, escrevi: “me perdoe por ter chegado tarde demais”.

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